Há quem diga que saudade dói. Há quem afirme que a saudade cura. E há
aqueles que garantem que a saudade passa. Dói. Cura. Passa. É preciso sentir.
Eu valorizo os sentimentos. Gosto de senti-los verdadeiramente. Acredito que um
sentimento deva ser vivido intensamente. Seja ele bom ou ruim. É como quando
perdemos um ente-querido. Sempre vem alguém consolar, dizendo para você não
chorar, não ficar triste e encarar a vida que segue. Bem sei, a vida segue. Mas
naquele momento, eu estou triste! Eu quero chorar, sofrer, resmungar... A dor
precisa ser sentida de verdade. É como espremer um pano molhado e tirar dele a
última gota. É viver o luto, o tempo em que ele deve ser vivido. Sentido. O que
antes doía, agora é o que te cura. E depois, passa. Sim, passa. O que não
concordo é com a reação daqueles que lamentam a perda, mas que se entorpecem de
remédio e acham que superaram a dor. Como? Superou nada! Apenas prendeu o
sofrimento, que um dia vai voltar mais forte. É aí que chega a famigerada
depressão. Prefiro ser chamada de mole, sentimental ou coisa parecida. Choro
mesmo, lamento, mas depois eu vivo. Enterro a dor. É claro que algumas experiências
ficam na memória e devem mesmo ficar como um aprendizado. Mas hoje, tento
deixar o que foi passado, no lugar em que ele deve ficar. No passado. Sabe
aquela coisa de viver o hoje? O dia? Lembro-me de ter visto uma entrevista com
uma pessoa que estava em processo de quimioterapia. O paciente dizia ter
aprendido a não fazer planos à longo prazo. Pois não havia expectativas sobre
quanto tempo ele tinha para viver. Então, ele vivia cada hora, cada minuto,
cada segundo como se fosse o último. E no fim do dia, sentia um alívio e um
bem-estar por tudo o que fez. Soa clichê, mas hoje eu me sinto assim. Graças a
Deus, eu não tenho nenhuma doença degenerativa ou que comprometa meus dias
vindouros, mas a incerteza das próximas horas me faz viver o momento. Esse mês
vai fazer dois anos que a minha prima Manuela faleceu. Na época, ela tinha a
idade que eu farei daqui a dois meses. 27 anos. E minha forma de encarar o
mundo, mudou muito diante desse acontecimento. Fiquei pensando ‘e se fosse eu?’,
‘se eu morresse agora, o que eu teria feito?’. Algumas indagações que me
fizeram querer o hoje. Eu não queria ter aquela sensação de tempo perdido,
sabe?
Enfim, se é para deixar o passado em seu devido lugar, pois que fique
lá. E quanto à saudade que comecei falando? Bateu de repente. Normal. A gente
sente falta do que foi bom. E principalmente, de conversar. De contar o que
está acontecendo. De querer ouvir uma opinião. E também, saudade do cheiro, da
pele... Saudade da presença. Do olhar. Do abraço. Eu podia ficar uma, duas,
três semanas sem vê-lo, mas se falava por telefone...
Chego hoje no trabalho e ouço algumas novidades, em instantes já me pego
digitando uma mensagem para contar. Aí depois penso direitinho e apago tudo.
Guardo para mim. Eu preciso me policiar para não chatear ninguém. Para não
importunar as pessoas. Por que a primeira ação é enviar um e-mail com um
resumão da última semana! Mas eu prometi que não faria mais isso. Que não o
sufocaria com esse meu jeito meio sem jeito. Com esse meu medo de perder! É um
exercício diário, viu? A gente se acostuma, se habitua, se apega... Aí bate
aquela saudade gostosa, que pode até doer de vez em quando. Mas que um dia vai
passar e vai ficar somente a lembrança de algo que foi bom.
“Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não
querem se desprender. O sentimento
não retribuído, tornou-se lembrança de uma época bonita que foi vivida…
Passou a ser um bem
de valor inestimável, é uma sensação à qual a gente se apega. Faz
parte de nós. Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e
disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi
caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente, e que só
com muito esforço é possível alforriar.” – Martha Medeiros
