O dia foi lento, as horas pareciam que não iam passar. Consegui chegar em casa às 19h25. Restavam apenas 20 minutos para tomar banho, vestir a roupa e me maquiar. Consegui! Fiz tudo em menos tempo, às 19h48 eu já estava pronta para a grande noite. Cheguei ao Teatro Guararapes às 20h55. Apenas cinco minutos me separavam de Chico. Entrei no teatro, que estava lotado de fãs e admiradores de seu trabalho. Jovens, adultos e idosos dividiam o mesmo espaço. E eu ali, sozinha. Nem me importava com esse detalhe, só queria entrar logo e ficar no meu lugarzinho, esperando o moço subir ao palco.
E não demorou muito. Logo deu-se início a uma viagem no tempo. Passado e presente juntos, no mesmo momento, em forma de música e poesia. Apagaram-se as luzes, houve uma apresentação em slides dos envolvidos no show, direção, iluminação e músicos. Apenas uma luz acesa no centro do palco. E o silêncio imperou. Todos ansiosos mirando os cantos por onde ele poderia entrar. E houve uma pequena demora, mas que parecia uma eternidade. Algum problema técnico, creio eu. Bem, o homem apareceu e todos foram ao delírio. Muitos aplausos para o grande artista. Aplausos esses que viriam a se repetir quase que inesgotavelmente. Cada início e final de música, eram agraciados de fortes palmas. O pouco envolvimento de Chico com seu público foi perfeito para que houvesse um respeito e um bom comportamento de todos. Vez ou outra, ouvíamos um grito de 'lindo' ou apenas 'Chicooo'. E o público fez bonito ao cantar como que num coral, alguns dos grandes sucessos do cantor e compositor. Foram menos de duas horas de delírio, puro êxtase. Chico Buarque voltou ao palco duas vezes após o encerramento do show.
Pessoalmente, foi de grande importância para mim. Primeiro por eu nunca ter visto tanta gente num show. Segundo por nunca ter visto um artista ser tão aplaudido. Inédito! E principalmente por que desejo esse momento desde os meus 14 anos. Foi com essa idade que eu 'conheci' Francisco Buarque de Hollanda. Sozinha. Ninguém me apresentou à sua obra. Eu achei um livro na casa dos meus avós, que contava a história do teatro brasileiro. Do início, até os anos 90, que era a década que estávamos vivendo. Isso em 1999. Eu levei para casa e li todo durante à noite. E me surpreendi ao ver se repetir tantas vezes o nome de Chico. Ora, para mim ele era apenas um cantor! Ledo engano. Ele era Chico! O músico, compositor, escritor e dramaturgo. Lá estavam os roteiros de grandes peças teatrais (Ópera do Malandro, Roda Viva e musicas de Saltimbancos) e todo o acervo da crítica da época da Ditadura. De lá, fui procurar e pedi emprestado às minhas tias a discografia dele. Pesquisei e li muito sobre sua carreira. Me apaixonei. De verdade! Nesse tempo, minhas paixões eram ele e Elis Regina. Eu sonhava em viver os Festivais da Música para vê-lo brilhar, lindo e jovem! Como eu queria ter vivido aquele tempo! Enfim, depois, fui baixando o facho, E hoje essa paixonite, virou uma grande admiração. E deixei crescer dentro de mim, essa vontade de ver um show do artista. Que só agora aconteceu.
Ele cantou as músicas do novo CD, entre elas Nina, Querido Diário e Essa Pequena (vale salientar que essa última, ele compôs inspirado em sua namorada, 36 anos mais nova. Há uma parte linda, que eu acho o máximo, quando ele diz: 'Meu tempo é curto, o tempo dela sobra... Temo que não dure muito a nossa novela, mas eu sou tão feliz com ela.') e as antigas também foram cantadas. E aí lá vai eu chorar. Em algumas, me arrepiava. Nesse cenário musical, ouvi Futuros Amantes (preferida), O Meu Amor ('eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz, meu corpo é testemunha do bem que ele me faz...'), Sob Medida ('Sou igual a você, eu nasci pra você, eu não presto! Sou bandida, sou solta na vida e sob medida pros carinhos seus, meu amigo se ajeite comigo e dê graças a Deus.'), Ana de Amsterdã, Tereza do Mar, Teresinha... Foram tantos clássicos em 1h45. A coisa mais linda e emocionante. As senhoras que sentaram do meu lado esquerdo e direito, choravam! Uma estava até com um lenço. Nunca pensei em ver algo assim. Eu vi e ouvi a sensibilidade de Chico. Ah, ponto alto para 'Geni e o Zepelim'. Foi a melhor interpretação sobre esse travesti que é julgado pela hipocrisia de uma sociedade que o apedrejou e o usou quando foi preciso. Eu acho um escândalo essa letra, retirada da peça Ópera do Malandro.
Foi assim... Ontem, 19 de Abril. Dia do Índio, de Santo Expedito (meu santo preferido) e aniversário do Rei Roberto Carlos. Quinta-feira. E eu realizei um sonho guardado há 13 anos. E ainda me encontro extasiada por tudo que ouvi e vi. Eu estava precisando de algo assim, que me surpreendesse. E vou agradecer eternamente o presente que Tetê me deu, quando comprou o ingresso. Justamente no dia em que postei aqui, dizendo sentir falta de ser filha, que precisava de um colo, um carinho, um abraço... E ganhei tudo isso através da atitude da minha tia. E eu sei que se mainha pudesse, teria feito a mesma coisa.
Fico aqui no meu post longo, que com certeza não será lido. Mas é aqui o canto onde guardo minhas lembranças, além da memória. Qualquer dia, posso ler e me sentir de volta ao teatro. Encantada por aquele moço dos olhos azuis.
Ah, Chico...
Gabi
